domingo, 19 de agosto de 2007

Felicidade - André Díspore Cancian


Aqui

Nesta celestial vacuidade

Onde tudo é provisório

Nasce acabado e corroído

Cada qual à sua maneira

Contorce-se e se reinventa

E morre sem ter vivido


Grande ou pequena

Cada qual abraça sua quimera

Nessa dança ridícula da vida

Onde se chora para então sangrar

[todos os dias


Quando a infância se despede

Deixando as lembranças

Levando uma amplitude de ser

Delas retiramos descrições

As mais belas invenções

Nutrindo toda beleza

Profusão de ideais

O dobro de tudo

Pintado em todas cores

Num quadro num quarto da memória

[dos plágios


Ao meu lado, vida real

Algumas variedades

De perspectivas delirantes

Três sentidos da vida:

Tomar banho, beber café ou dormir

Enfado...


O problema não é a cura

– dizem –

Nem é a doença

O problema escapa pelas mãos:

As coisas pequenas demais

Onde dizem estar a felicidade

– serão aleijados voluntários ou

incapazes do que é grande? –

Seria isto, então, o problema:

Nascemos sem os óculos – da alma?

Nascemos sem os nervos – dos heróis?


Quem cresceu para aprender

A ver com o coração

Quem esqueceu para voltar

A ver com os olhos

Conhece as minas da fascinação

Os espelhos que ofuscam a razão

Os espelhos que refletem a ilusão

O espaço vazio entre tudo – o vão

A repulsão entre tudo – a contradição

Será que ela se abraça

Ou ignora a explicação?

Que culpa teria o erro?

Prometeu alguma verdade?

Que prometeu um sentido?

Que trocaria a escolha

Pelo sorriso plastificado

Da felicidade obrigatória?


– se é que vale a pena –

Vai e mira qualquer coisa

Além dela mesma

Pois como é triste viver

Em meio à matemática

Sem nenhum enigma

[sem resposta

Sem nenhuma paisagem

Lançando véus e enigmas

A cobrir este lamaçal de vida

Toda solução indica o nada

– o fim prematuro da jornada –

Que dá numa encruzilhada

Onde há um milhar de duas placas:

Seja bem-vindo! Boa viagem!

(aqui é o começo)

(aqui é a chegada)

Somente resta a disposição

[indisposta

Em explicar o porquê de uma rota

O porquê de um passo, do movimento

[dessa música

De somente uma nota


Digo isso porque, nesta cadeia

Encontrei a minha resposta

(de longe, era tão bela...)

Não era igual a todas:

(um meio) – Era o derradeiro

Âmago do absurdo

O cerne a contradição

As vísceras dos átomos

Entoando uma melodia pródiga

Tão amarga, verdadeira

Que me fiz prisioneiro

(seria um eremita

se houvesse um caminho

pelo qual regressar)

Forjei minhas correntes

E espero: um há de ceder

De se decompor primeiro


Em meus sonhos

O detector de metais acusa:

Uma arma apontada à cabeça

(como invejo esta máquina...)

Este é o único sonho

Em que sei ser feliz:

Sentindo a liberdade

Rasgar as couraças do peito

As mãos, os pés – obedecem!

As cores sonhadas, renascem

De uma memória abandonada

Por um segundo, um vislumbre:

Tenho todas as escolhas

Mas por que nenhuma?

Sonhos são para um só dia


Nunca chega a hora

Mudo, nada muda

Volto, nada muda

Avanço, nada muda

Desisto, e me empurram


Mas não aprendi a dançar

Não aprendi a caminhar

Não aprendi as certezas

Dos passos firmes

(sabe lá para onde)

(sabe lá para quê)

Cada movimento

Em tudo que tem valor

Só me gera a sensação

De que nunca saí do lugar

De que me comportei

Devidamente: como um aleijado

Nunca chega, hora nenhuma!


Não que, no fundo, seja diferente

Não que, no íntimo, seja especial

Como exemplar dos qualquer-um

Sou também uma pequena merda

E será minha felicidade evaporar

[todo o esgoto das veias

Tudo aquilo que se ensina a calar


Vazio

Procuraria pelas palavras

De uma despedida tão altiva

Que a arrogância das máquinas

[se curvaria

E me daria boas-vindas

E me abraçaria o rosto

[decomposto

E o germe estéril

Que criou o homem

E uma realidade insólita

[nele

E uma inquietude estúpida

[em nós

De não querer não desejar

[não sofrer

Permanentemente

Suicida potencial

Sufocando a cada respiro

[frustrado

Somente na morte

– entrementes –

Entre mentiras e entorpecentes


(mas não é preciso escolher o fim

podemos optar pelo medo cansado

baixar a cabeça, suspirar, esperar:

– acorrentados ou caminhando –

no fim, não temos escolha

sonhamos no mesmo lugar...)


Seja bem-vindo!

(aqui é o começo)

Abrace sua quimera!

Boa viagem!

(aqui é a chegada)

Hora nenhuma!

Um comentário:

Spectrodalma disse...

huahaha... nems ei o que comentar, amei...